De quem é a escola? O que a agricultura familiar tem a ver com educação? O que significa tirar as crianças da zona rural para ir para as escolas nas cidades? Como as experiências de resistência das comunidades rurais iluminam a luta pela educação do campo contextualizada com a vida no Semiárido?
Essas questões são apenas algumas das muitas que instigaram as trocas e reflexões feitas entre os participantes da Oficina de Formação dos Monitores e Monitoras Pedagógicos/as do Programa Cisternas nas Escolas, que acontece desde terça-feira (11) e se estende até hoje (13), no município de Areia, que faz parte do território de atuação do Polo Sindical da Borborema, na Paraíba.
“Esse é o momento da formação dos formadores. Se não cuidarmos destes processos, não vamos para frente”, assegurou Glória Batista, membro da coordenação da ASA Brasil pelo estado da Paraíba, durante a mesa de abertura do encontro que teve a participação também de Roselita Victor, representando o Polo Sindical da Borborema, e de Albertina de Brito, que faz parte da secretaria nacional da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (Resab).
“A escola não está só na comunidade. Ela pertence a um território. É importante entender os modelos em disputa, ler a realidade dos territórios, enxergar os riscos, ameaças e as potencialidades do local para trazer esse olhar para os momentos de formação que haverá com a comunidade. Não podemos ter uma visão pessimista porque as comunidades tradicionais resistem desde sempre”, provocou Glória tocando num dos pontos nevrálgicos deste encontro: o aprendizado a partir da observação das iniciativas de resistência das comunidades e povos tradicionais do Semiárido.
Sobre a importância de ler a realidade dos territórios para trazer esse olhar para os momentos de formação com a comunidade escolar
Para Alexandre Eduardo de Araújo, professor da Universidade Federal da Paraíba, do núcleo de Bananeiras, e membro da secretaria nacional da Resab, as diferentes comunidades rurais sempre amadureceram e sistematizaram formas de resistência para permanecer no lugar. “Muitas destas experiências estão nos grupos de mulheres, de jovens e também dentro da escola, com professoras e professores, merendeiras, com a comunidade escolar e estudantes, fazendo uma educação diferente para que as pessoas que passam por ali se preparem mais para desenvolver seus espaços nas comunidades, nos assentamentos de reforma agrária…”, comentou depois da visita à comunidade Jacu, na zona rural de Massaranduba, também no território da Borborema. Essa comunidade tem uma escola de educação básica há 38 anos que, no final do ano passado, iria ser fechada pela prefeitura. A comunidade escolar reagiu, argumentou, se mobilizou e evitou o fechamento.
“A experiência da comunidade de Jacu, mais precisamente da Escola João Pequeno da Silva, traz este contexto de que é possível construir uma educação do campo, no campo, que nasça da realidade dos próprios sujeitos. Essas experiências concretas possibilitam a nós – monitores/as – construir junto à comunidade local, escolar, um diálogo para que compreendam a escola como parte da comunidade e não como algo exterior. E quando a comunidade local se envolve com o processo formativo, a educação ganha outro sentido. Não só o sentido da resistência, mas de uma educação que volta seu olhar para os sujeitos do campo”, pontuou Juliano da Silva Vilas Boas, filho de agricultor e agricultora, e monitor pedagógico do Cisternas nas Escolas pelo Centro de Agroecologia do Semiárido (Casa), uma ONG com atuação no território de Guanambi, no Sudoeste baiano.
“A escola é da comunidade, das pessoas, não do prefeito”
Há um ditado que diz: “Quer transformar a sociedade, transforme a forma de se educar!” No Brasil, que fecha um pouco mais de 11 escolas rurais por dia (dados de 2013 e 2014), essa sentença está sendo levada a sério, só que às avessas. De 2003 até 2014, segundo dados do Censo Escolar, mais de um terço das instituições do campo encerraram suas atividades e os alunos – crianças de cinco a 11 anos – foram despachados para escolas muito mais distantes de suas casas, negando-os o direito previsto na Constituição Federal de estudarem o mais perto de seu espaço de vida. Das 103.328 escolas de ensino básico, apenas 66.732 seguem com aulas nas comunidades rurais.
“Temos um processo agressivo, violento de fechamento das escolas em todo o país, principalmente nas escolas do campo, nucleando e colocando as crianças pra estudar na cidade e quando não temos um processo educativo descontextualizado com a realidade das crianças”, comenta Rafael Neves, coordenador do Programa Cisternas nas Escolas, durante a Oficina de Formação das/os Monitoras/es Pedagógicas/os do programa.
Apesar desta avalanche que faz das crianças suas principais vítimas, algumas comunidades escolares resistem. Essa é a história da Escola João Pequeno da Silva, na comunidade de Jacu, na zona rural de Massaranduba, situado num território com forte organização dos sindicatos dos/as trabalhadores/as rurais.
No final do ano passado, a professora Josefa Nilda das Mercês Silva, conhecida como Nilda, amparada pelos pais, alunos, ex-alunos, sindicato e representante da Câmara dos Vereadores, apresentou dez motivos para a escola não fechar para a secretária de Educação, que chegou com a sentença, sustentada apenas pela justificativa de que a escola tinha poucos alunos.
“Quando chegou a notícia que a comunidade escolar seria fechada, tanto a professora, os alunos, os pais dos alunos, a comunidade escolar ficaram chocadas e indignadas. A comunidade não quer, não queria o fechamento. É uma escola que funciona há 38 anos, que já educou todos os jovens que moram aqui, hoje casados e com filhos estudando na escola. Então, [a instituição] tem uma história de vida muito longa, muito grande e que a comunidade apoia e também participa da vida escolar”, conta a professora Nilda.
Na lista dos dez motivos que ela narrou para a secretária de educação a vontade da comunidade escolar e das crianças eram os primeiros. Ninguém aceitava essa proposta por causa dos alunos serem muito novos para estudar na cidade. “Outro motivo muito forte foi o projeto que conseguimos, junto ao sindicato, que trouxe um benefício maravilhoso para a escola que foi a construção, no final do ano passado, de uma cisterna de 52 mil litros e também uma caixa d´água, uma bomba e filtros de água. Nós ainda nem tínhamos usufruído deste benefício, que é um direito nosso”, conta Nilda.
Dona Rosineide da Conceição mora no Sítio Salgadão, comunidade vizinha a Jacu, e tem duas filhas e um neto estudando na escola. Para quem ia para escola com muita dificuldade quando pequena – precisava passar em cercado com gado, atravessava rio, ‘minha mãe ia atravessar a gente no rio porque era muito perigoso, a gente passava com água batendo assim na gente (aponta para a altura do peito)’ – ter uma escola perto de casa para seus filhos aprenderem a ler e a escrever é mesmo que ter ouro.
“Se a gente tivesse fechado a boca e abrido as mãos a gente não tinha conseguido ela [a escola João Pequeno da Silva] aberta. A gente escuta pelo rádio que muitos alunos de Santa Terezinha estão sem estudo por conta do ônibus que não pode pegar devido ao acesso, de vir de lá pra cá, porque é muito difícil. As escolas de lá foram fechadas, por isso estão sofrendo. Se [eles] tivesse se organizado, se tivesse se mobilizado tudinho, se tivesse se unido, porque a união faz a força, eu acredito que não fechado.”
Para Roselita Victor, do Polo Sindical da Borborema, romper com a lógica do gestor, a partir do entendimento que a escola é da comunidade e das pessoas, e não da prefeitura, é um passo de grande importância para se contrapor ao discurso dominante que sempre sobrepõe a justificativa econômica à social.
Texto: Verônica Pragana (AsaCom) – Fonte: www.asa.org.br