Entre os dias 28 de outubro e 8 de novembro, o Cedasb teve a honra de marcar presença no Intercâmbio Latino-americano sobre Soluções Climáticas nos Semiáridos, organizado pelo Centro Sabiá e pela Plataforma Semiáridos América Latina, com o apoio de Terre des Hommes Schweiz, em parceria com a AS-PTA. O intercâmbio, realizado em Pernambuco e Paraíba, teve como foco o clima e as iniciativas que contribuem para reduzir os efeitos das mudanças climáticas. O evento contou com a participação de representantes de organizações da Colômbia (Asociación Campesina de Antioquia e Red Nacional de Agricultura Familiar), El Salvador (CORDES) e do Brasil (MOC e CEDASB).

No primeiro dia, a sócia do Cedasb Leandra Silva e a técnica Bruna Abreu, juntamente com os demais participantes, foram recepcionadas pela equipe do Centro Sabiá que apresentou a instituição em sua sede que fica em Recife, falou da sua atuação no semiárido pernambucano e do trabalho com as juventudes. Além disso, a Consultora da Terre des Hommes Schweiz, Luciana Pinto, conduziu um momento para tratar sobre as expectativas dos participantes e fazer acordo de convivência. Ela também provocou os participantes a refletirem e escreverem suas impressões sobre as mudanças climáticas no semiárido. Como ressaltou Carlos Magno, coordenador de mobilização social da organização e representante da Plataforma Semiáridos América Latina no Brasil, “falar sobre o clima é falar sobre nós, sobre nossas vidas”.

Foto: Leandra Silva | Acervo Cedasb

Durante o intercâmbio, as representantes do Cedasb tiveram a oportunidade de conhecer experiências locais de convivência com o semiárido, como a visita ao Sistema Agroflorestal (SAF) implementado no início dos anos 1990 pela família de Seu Antônio e Dona Raimunda na comunidade Enjeitado, localizada em Triunfo (PE). Eles relataram que iniciaram esse sistema após regressarem de São Paulo e observarem que todo o leito do rio estava destruído e o solo totalmente exposto, afetando o desenvolvimento do rio que costumava ter grandes cheias e encontrava-se praticamente seco. A propriedade, com 90% de sua área arborizada (sendo 80% de agrofloresta), serve como exemplo de manejo sustentável, além da revitalização do Rio Pajeú que margeia a propriedade, do corredor ecológico, do manejo dos agroecosistemas e do retorno de espécies vegetais e animais.

Na unidade produtiva da família visitada, O Reuso de Águas Cinzas no Sistema Agroflorestal (RAC/SAF) tem sido uma tecnologia social muito importante para a produção das frutíferas que são usadas para consumo e venda do excedente, bem como para fazer a irrigação de salvamento. Leandra e Bruna salientaram a diferença visível das propriedades ao redor que não tem praticado o sistema agroflorestal e as políticas de convivência, encontrando-se com pouca vegetação e áreas degradadas, ou seja, bastante diferente da paisagem observada na propriedade de Seu Antônio e Dona Raimunda.

O Cedasb, junto aos outros intercambistas, também acompanhou a história inspiradora de Dona Nazilda e sua filha Felícia na comunidade quilombola Santa Rita que, desde 2005, tem adotado práticas agroecológicas com o apoio do Centro Sabiá. Elas falaram sobre a trajetória que percorreram para a realização do beneficiamento de frutas e fabricação de vinhos, licores e geleias artesanais. Essa visita evidenciou como a agroecologia e o assessoramento técnico das organizações podem transformar realidades locais e gerar autonomia para as mulheres e jovens, além de fortalecer a comercialização de produtos da agricultura familiar.

Durante o intercâmbio, foi possível fazer uma imersão sobre SAF com Dona Gefeccy e Seu Antônio Sabino na Comunidade São Bento, em Santa Cruz da Baixa Verde (PE). Um exemplo de como os jovens são transformadores de realidades tendo em vista que seu Antônio, hoje um chefe de família, iniciou seus sistemas de transformações ainda na juventude. Uma família cheia de história e ensinamentos, eles compartilharam seus conhecimentos, mostrando e possibilitando aos intercambistas conhecerem os princípios do SAF desde a seleção das sementes até organização e função de cada planta no sistema.

Fotos: Claudio Gomes | Acervo Centro Sabiá

As técnicas de armazenagem de alimentação animal adotadas por eles foram compartilhadas e os participantes puderam participar da preparação da silagem. Dentro do sistema SAF, Seu Antônio ensinou métodos de plantio de plantas mais sensíveis consorciadas com a palma para redução de sofrimento híbrido das plantas e mostrou o local de escolha para o berçário de suas mudas, onde multiplica as sementes para plantio posterior. O casal explicou todo o processo de escarificação, quebra de dormência e preparo de substrato a ser utilizado, além de ter apresentado a forma como costumam fazer para economizar água na irrigação sem perder a qualidade da produção.

Com muita sensibilidade, eles permitiram que os intercambistas plantassem algumas das sementes colhidas no dia anterior dizendo que esta seria a marca daqueles que passaram por ali. Os conhecimentos e ensinamentos sobre as plantas e seus poderes de cura também foram partilhados por Dona Gefeccy e Seu Antônio Sabino.

“Esse momento muito me marcou por ver o amor que seu Antônio tem por sua mãe que era uma mestra das plantas medicinais e com tanto amor passou seus conhecimentos pra a família. Muito grata por todo conhecimento adquirido nesses dois dias com essa família.” – relatou Bruna Abreu, técnica do Cedasb.

No primeiro dia de novembro, foi realizada uma visita à Feira da Agricultura Familiar de Triunfo onde os participantes conheceram um pouco sobre seu funcionamento e organização, bem como os cuidados necessários ao comprar produtos com características de produção agroecológica dos agricultores do município, bem como os desafios enfrentados pelos produtores. Já a visita à Dona Elsa e Seu Zezinho também foi inspiradora. Agricultores visionários que fazem de seu pequeno espaço uma grande produção, eles têm produzido e escoado seus produtos na feira do município com todo cuidado e atenção. São exemplos de gestão de recursos visando tempo e consumo de seus insumos sem deixar faltar. Para encerrar a passagem pelo Sertão do Pajeú, os intercambistas trocaram sementes com a comunidade local.

Foto: Acervo Centro Sabiá

A experiência do MST foi mais um momento enriquecedor para os participantes, que tiveram a oportunidade de compreender a história de luta das famílias pelo seu espaço e por condições dignas de vida, conheceram o modo como são organizados e o espaço de estudo onde a faculdade vem até a comunidade para formações. Ao caminhar por parte do assentamento, visitaram a igreja, a área da agroindústria e Seu Sebastião – um dos patriarcas dessa luta que contou como sofria na época da ocupação e quais forma as ameaças sofridas. Além dele, todos conheceram Dona Cleide que mostrou a plantação de pitaia, explicou sobre o sistema de venda da produção do assentamento e onde costumam fazer suas vendas. Ela também contou sobre o protagonismo do assentamento no fornecimento de alimentos durante o período de pandemia.

A Associação de Mulheres Artesãs Flor do Barro no Bairro Alto Moura em Caruaru foi uma grata surpresa para os intercambistas. Nesse momento, evidenciou-se a união predominantemente feminina das artesãs que protagoniza a história das famílias da comunidade. Nessa região, conhecida por seu trabalho com barro, os participantes observaram as artesãs trabalhando com o barro durante a visita.

A construção de cisternas foi um momento de aprendizagem que foi além das palavras. Os participantes visitaram dois espaços de construção de cisternas calçadão e enxurrada onde puderam entender como são feitas as medidas de construção das placas, base, teto e piso. Foi explicado sobre os cuidados necessários para a manutenção das cisternas e remoção de arvores cujas raízes possam causar estragos em sua estrutura. Na oportunidade, os participantes também conheceram sobre as variações que podem ocorrer nas construções de cisternas dos países que possuem abalos sísmicos. Para completar esse momento, todos colocaram a mão na massa participando do processo de preparação do calçadão de uma das cisternas e instalação das vigas de sustentação do teto.

Fotos: Marina Torres | Acervo Centro Sabiá

Com ideias inovadoras, adaptações das tecnologias existentes e atenção especial aos detalhes das particularidades da área, o uso de tecnologias sociais com Seu Zé Bocão, como é conhecido popularmente, inspirou a todos. Ele ensinou como é possível viver da produção sem agredir a natureza e mostrou suas invenções para uso nos sistemas de SAF, como o material picotado pela máquina da prefeitura. Neste caso, o agricultor pega esse material e utiliza para fazer a cobertura de áreas degradadas para recuperação de matérias orgânicas. Ele mostrou na prática a presença de minhocas no solo recuperado em relação às áreas expostas sem esses cuidados.

Durante o intercâmbio, houve uma visita às experiências com as juventudes da AS-PTA no Polo da Borborema na Paraíba, onde conheceram sindicato, cooperativa, quitandas e o Fundo Rotativo Solidário. Com isso, puderam compreender a organização do polo da Borborema, uma união dos sindicatos que tem lutado pelo direito dos campesinos e tem dado voz a jovens e mulheres em seu protagonismo. Dentro dos sindicatos, visitaram as quitandas onde os agricultores têm espaço e uma jovem responsável pela venda de seus produtos.

A agroindústria, pioneira no desenvolvimento sustentável e agroecológico da região, foi um dos lugares visitados. Dentro dessa agroindústria, por exemplo, existem cursos de culinária onde as mulheres são capacitadas para produzirem usando insumos presentes nas comunidades. A atuação da AS-PTA e todo seu cuidado de formação desde crianças até adultos também foram apresentados, assim como o fortalecimento dos bancos de sementes do estado e o sucesso dos jovens com o Fundo Rotativo Solidário.

Os últimos dias de intercâmbio foram em atividades de recapitulação e formulação interna das atividades de campo. Para fechar com chave de ouro, houve o lançamento do VOAflix – uma plataforma digital que democratiza ao conteúdo do Centro Sabiá.

O intercâmbio foi uma oportunidade única para o Cedasb estreitar laços com movimentos e organizações latino-americanas, bem como intensificar a trocar de saberes sobre o uso de tecnologias sustentáveis e práticas agroecológicas no semiárido brasileiro. As discussões e aprendizados adquiridos durante o evento reforçam a importância do trabalho colaborativo e da troca de conhecimentos na construção de um futuro mais resiliente para as populações que convivem com as adversidades climáticas da região.

Texto: Lucilene Rosário, Jornalista e Comunicadora Popular do Cedasb.